Introdução à Carta de Judas

                                                        INTRODUÇÃO

É uma Carta muito difícil de entender, inclusive para os eruditos da Bíblia, já que transcorre num âmbito de pensamento e representações totalmente diferente. Toma muito de seu pensamento, imagens e ilustrações, não do Antigo Testamento mas sim dos livros que foram escritos entre o Antigo e o Novo Testamento, livros virtualmente desconhecidos para nós mas imensamente populares em seus próprios dias. 

Por essa razão em várias oportunidades é necessário dedicar-lhe muito espaço, e deve ser lido em estreita relação com 2 Pedro. Mas estou seguro de que o esforço mental de lê-lo à luz do anterior valerá a pena.

Judas usualmente é estudado não em forma isolada mas sim conjuntamente com 1 e 2 Pedro.

Se Judas tiver sido esquecido, foi injustamente, porque há poucos livros no Novo Testamento que, adequadamente compreendidos, mostram mais vividamente os riscos das falsas doutrinas e do ensino ética errado que ameaçavam a Igreja primitiva.

1. A CARTA DESCUIDADA 

Para a maioria dos leitores modernos, ler a pequena carta de Judas é uma tarefa incômoda do que uma empresa proveitosa. Há dois versículos de Judas que todos conhecemos —a conhecida e magnífica doxologia com que finaliza a Carta: 

Ora, àquele que é poderoso para vos guardar de tropeços e para vos apresentar com exultação, imaculados diante da sua glória, ao único Deus, nosso Salvador, mediante Jesus Cristo, Senhor nosso, glória, majestade, império e soberania, antes de todas as eras, e agora, e por todos os séculos. Amém!” 

Mas, além destes dois grandes versículos, Judas é bastante ignorada e muito pouco lida, precisamente porque foi escrita de acordo com o pensamento e linguagem de seu tempo.

Surge sobre um pano de fundo de pensamento, em resposta a uma situação que descrevem com imagens e citações que são para nós totalmente estranhas. Fora de toda dúvida, terá batido naqueles que a leram ou a ouviram pela primeira vez, como uma martelada e como uma clarinada chamando a defender a fé.

Judas é como "uma formidável cutilada para despertar às Igrejas".

"Judas para um leitor moderno é "mais curiosa que edificante, com exceção do princípio e do final".

A Carta de Judas  adquire o maior interesse para a história e a compreensão da Igreja primitiva, e de não menor pertinência para o dia de hoje. Em realidade houve épocas na história da Igreja, e especialmente avivamentos, em que Judas não distou muito de ser o mais importante dos livros do Novo Testamento.

                                               RESUMO DA CARTA

1. PERIGOS

A intenção de Judas tinha sido escrever um tratado sobre a fé que todos os cristãos compartilham; mas a tarefa teve que ser posta de lado em vista da aparição de muitos homens cuja conduta e pensamento significavam uma ameaça e um sério perigo para a Igreja cristã (versículo 3). Em vista dessa situação era necessário nem tanto expor a fé como convocar a todos os cristãos para sua defesa. Certas pessoas se introduziram na Igreja e estavam muito empenhadas em fazer da graça de Deus uma desculpa para a imoralidade mais descarada, e negavam o único e verdadeiro Deus e a Jesus Cristo, o Senhor (versículo 4). Eram homens imorais em seu comportamento e hereges em sua fé.

2. ADVERTÊNCIAS

Judas lança suas advertências contra esses homens. 

Que lembrem o destino dos israelitas. Tinham chegado sãos e salvos até a fronteira de Israel, mas não puderam entrar na Terra Prometida por causa de sua incredulidade (versículo 5). A geração de israelitas que tinha saído do Egito não pôde entrar na Terra Prometida por causa de seu temor e falta de fé quando chegaram a suas fronteiras (Números 13:26; 14:29). Um homem podia ter recebido a graça de Deus, mas se então incorria em desobediência e incredulidade podia perdê-la. 

Os anjos tinham sido anjos cheios da glória dos céus, mas quando chegaram à Terra corromperam às mulheres mortais com sua luxúria (Gênesis 6:2) e agora estão aprisionados nos abismos das trevas, aguardando o momento do juízo (versículo 6). Aquele que se rebela contra Deus, necessariamente deve ficar sujeito a juízo. As cidades da Sodoma e Gomorra se entregaram aos vícios imorais e à luxúria, e sua destruição em fogo é uma tremenda ameaça para todos aqueles que procedem da mesma maneira (verso 7). 

3. PERFIL DESSES HEREGES

Esses homens eram sonhadores com sonhos maus; mancham sua carne e falam mal dos anjos (versículo 8). Ninguém, nem sequer o arcanjo Miguel, atreveu-se a proferir juízo contra os anjos, nem mesmo contra os anjos maus. Ficou a cargo do arcanjo Miguel sepultar o corpo de Moisés. O demônio tentou impedi-lo, reclamando para si o corpo de Moisés. Miguel até em tais circunstâncias não disse nada mau contra o demônio, mas sim lhe disse simplesmente: "O Senhor te repreenda" (versículo 9). Os anjos devem ser respeitados, até os anjos maus e hostis. Mas estes maus homens condenam tudo o que não entendem, e como coisas espirituais estão mais além de seu entendimento. Entendem os instintos carnais e se deixam governar por eles como bestas selvagens que são (versículo 10).

São como Caim, o assassino cínico e mesquinho; são como Balaão, cujo único propósito foi lucrar, e que deixou as pessoas inundadas em pecado; são como Coré, quem se rebelou contra um legítima autoridade de Moisés, mas foi tragado pela terra por sua arrogante desobediência (versículo 11). São como as rochas traiçoeiras nas quais pode encalhar um barco; têm seus próprios seguidores, com aqueles que se associam, destruindo assim um comunhão cristã; enganam a outros com suas promessas, como nuvens que anunciam chuvas longamente esperadas, mas passam de longe pelo céu; são como árvores sem raízes nem frutos, que não dão nenhum bom fruto; como um espuma das ondas joga sobre as praias algas e ressaca, eles arrojam a espuma de suas desavergonhadas ações. São como estrelas errantes que se negam um conservar sua órbita, e que se inundam nos abismos (versículo 13). Muito tempo atrás falou deles o profeta Enoque, que profetizou sua destruição (versículo 15). Murmuram contra toda genuína autoridade e disciplina, como murmuraram os filhos de Israel contra Moisés, no deserto; estão descontentes com a parte que Deus lhes outorgou; a luxúria os governa tiranicamente; seu falar é arrogante, jactancioso e altivo. São lisonjeiros aduladores dos grandes para tirar proveito (versículo 16). 

4. UMA PALAVRA AOS FIÉIS

Depois de castigar os homens perversos com esta corrente de invectivas, Judas detém-se naqueles que são fiéis. Estes podiam ter esperado que tudo isto acontecesse, porque já os apóstolos tinham antecipado que se levantariam homens perversos (versículos 18-19). Mas o dever de todo cristão é edificar sua vida sobre o fundamento da santíssima fé; aprender a pedir no poder do Espírito Santo; lembrar as condições do pacto ao qual Deus os chamou; esperar na misericórdia de Jesus Cristo (versículos 20-21). 

Quanto aos enganadores e os licenciosos — alguns deles podem salvar-se por misericórdia enquanto vacilam ainda quanto a seu proceder; outros têm que ser arrebatados do fogo, e em todo seu trabalho de redenção, o cristão deve dispor desse piedoso temor que ama o pecador mas não o seu pecado, e evitar a contaminação daqueles aos quais quer salvar (versículos 22-23). 

E em todo momento o acompanhará o poder de Deus, que pode guardar o de toda a queda, e levá-lo sem mancha e com alegria perante sua presença (versículos 24-25). 

5. QUEM SÃO OS HEREGES

Judas não era um teólogo, mas sim "um simples dirigente honesto da Igreja". "Mais que descrever, denuncia" as heresias que ataca. Não pretende argumentar nem refutar, porque escreve como quem "sabe quando a indignação é mais eficaz que um argumento". Assim, pois, devemos fazer nossas próprias deduções a partir da própria Carta. Podemos deduzir três coisas com relação a esses hereges.

(1) Eram antinomianos. 

(2) Era o gnosticismo.

(3) Era o farisaísmo

6. QUEM FOI O AUTOR

Quem foi este Judas, que escreveu a Epístola? chama-se a si mesmo servo de Jesus Cristo, e irmão de Tiago. Há no Novo Testamento cinco pessoas chamadas Judas. 

(1) Há o Judas de Damasco, em cuja casa Paulo esteve orando depois de sua conversão no caminho a Damasco (Atos 9:11). 

(2) Há o Judas Barsabás, uma figura predominante nos concílios da Igreja, quem junto com Silas levou a Igreja de Antioquia à decisão do Concílio de Jerusalém quando as portas da Igreja se abriram aos gentios (Atos 15:22. 27, 32). Este Judas também era profeta. 

(3) Há Judas Iscariotes. Nenhum destes três jamais foi considerado seriamente como autor da Carta. 

 (4) Havia no grupo apostólico um segundo Judas. João o chama Judas, não o Iscariotes (João 14:22). Na lista dos apóstolos que traz Lucas há um apóstolo a quem se chama Judas, irmão de Tiago (Lucas 6:16; Atos 1:13). Se nos atemos somente a esta versão, bem podemos pensar que já temos um muito firme candidato para a paternidade da Carta e, verdadeiramente Tertuliano crê que o autor da Carta é o apóstolo Judas. Mas no grego este homem é chamado simplesmente Judas de Tiago. Mas ocorre que este é um modismo muito comum no idioma grego, e quase sempre significa não irmão de, mas sim filho de; e Judas de Tiago na lista dos Doze não é Judas o irmão de Tiago, mas sim Judas o filho de Tiago, como todas as mais recentes traduções anotam corretamente. 

(5) Mas ainda fica outro Judas no Novo Testamento, o Judas que era irmão de Jesus (Mateus 13:55; Marcos 6:3). E se algum dos Judas do Novo Testamento escreveu esta Carta, este Judas deve ser o provável autor, porque só ele pôde chamar-se realmente irmão de Tiago, que foi também um dos irmãos de Jesus. 

JUDAS O IRMÃOS DE JESUS

Se esta Carta não for de Judas, o irmão de Jesus, que outras alternativas ficam? Em total são dois. 

(1) A Carta é indubitavelmente obra de um homem chamado Judas, mas de quem nada mais se pode saber. Esta hipótese encontra duas dificuldades. Primeiro, a coincidência de que este Judas fosse também irmão de Tiago. Segundo, seria difícil explicar como uma Carta tão pequena chegou a ter autoridade alguma, se for obra de alguém que é completamente desconhecido. 

(2) Sugere-se que a Carta é pseudônima, quer dizer, que foi escrita por algum outro e atribuída a Judas. Esse proceder era comum no mundo antigo. No período entre o Antigo e o Novo Testamento se escreveram dezenas de livros, muitos dos quais foram atribuídos a Moisés, a Enoque, a Baruque, a Isaías, a Salomão e a muitos outros mais. Ninguém via nada mal nisso. Mas devemos formular duas observações a respeito de Judas. 

(a) Em cada uma dessas publicações o nome ao qual se atribui o livro era sempre famoso. Tratava-se do nome de alguém a quem todo mundo conhecia como um de seus grandes profetas ou reis ou heróis. Tratava-se de um nome que ninguém podia confundir, que todos podiam reconhecer facilmente. Mas este Judas, o irmão do Senhor, era uma pessoa totalmente obscura. Ninguém soube nada a respeito dele. Não é incluído entre os nomes mais ilustres da Igreja primitiva. Seu nome não significa absolutamente nada. Há um relato que diz que no tempo do Domiciano se procurou evitar o crescimento do cristianismo. Chegaram notícias à autoridade romana de que certos descendentes de Jesus ainda viviam, entre eles os netos de Judas. Os romanos pensaram que era possível que a rebelião pudesse organizar-se em torno desses homens, que com o tempo poderiam chegar a converter-se em cabeças e dirigentes de uma revolução cristã. Foi-lhes ordenado comparecer perante os tribunais romanos. Quando o fizeram, viu-se que eram calejados filhos do trabalho e foram despachados por serem inofensivos e carecer de importância. É evidente que Judas foi Judas o obscuro. Não pôde haver nenhuma razão para atribuir o livro a um homem a quem ninguém conhecia. 

(b) Quando se escrevia um livro atribuindo-o a uma pessoa muito conhecida, não se deixava em duvida ao leitor quanto ao nome ao qual se atribuía. esclarecia-se perfeitamente, sublinhando-o, o nome da pessoa a quem se atribuía. Se esta Carta tivesse sido publicado como obra de Judas o irmão do Senhor, certamente lhe teria dado este título de maneira que ninguém pudesse confundir-se; e o certo é que a identidade do autor resulta muito confusa, que é o reverso do que pôde ter ocorrido se o livro tivesse sido deliberadamente pseudônimo. Quando lemos Judas, salta à vista a mentalidade do judeu; suas referências são tais que só um judeu poderia entendê-las, e só um judeu poderia captar suas alusões. É singelo e rústico, mas vívido e pitoresco. Não há dúvida que se trata da obra de um singelo pensador antes que de um teólogo. Encaixa com Judas, o irmão do Senhor. É atribuída a seu nome, e não teria havido razão alguma para tal atribuição a menos que de fato o escrevesse. 

Minha opinião é que não nos equivocamos se pensamos que esta pequena Carta pertence realmente a Judas, o irmão do Senhor.

DIVISÃO DA CARTA JUDAS 

Judas 1 O que significa ser cristão? - 

1-2 O chamado de Deus - 

1-2 (cont.) A defesa da fé - 3 

Perigos internos - 4 

Os terríveis exemplos - 

(1) O destino de Israel - 5-7 Os terríveis exemplos - 

(2) O destino dos anjos - 5-7 (cont.) Os terríveis exemplos – 

(3) Sodoma e Gomorra - 5-7 (cont.) 

O desprezo pelos anjos - 8-9 

O Evangelho da carne - 10 

As lições da história - 11 

Descrição dos homens ímpios - 12-16 

O egoísmo dos homens ímpios - 12-16 (cont.) 

O destino da desobediência - 12-16 (cont.) 

Características dos homens ímpios - 12-16 (cont.) 

As características do erro - 17-19 

As características do erro - 17-19 (cont.) 

As características da bondade - 20-21 

Resgatando os perdidos - 22-23 

Doxologia final - 24-25 


O QUE SIGNIFICA SER CRISTÃO?

Judas 1-2 

Poucas coisas falam mais eloquentemente de um homem que a maneira em que fala de si mesmo. Poucas coisas são mais ilustrativas que os títulos pelos quais um homem quer ser conhecido. Judas chama-se a si mesmo servo de Jesus Cristo e irmão de Tiago. Imediatamente, isto diz duas coisas a respeito de Judas. 

(1) Judas era um homem muito feliz com seu segundo lugar. Não foi nem de longe tão conhecido como Tiago; e está contente de que o conheçam como o irmão de Tiago. Comportava-se da mesma maneira que André, o irmão de Simão Pedro (João 6:8). André também foi apresentado e conhecido com relação a seu irmão muito mais famoso. Tanto Judas como André puderam zangar-se e ressentir-se contra seus dois irmãos mais velhos, a cuja sombra viveram, mas tanto um como outro devem ter desfrutado do grande dom de ocupar dispostos e alegres o segundo lugar. 

(2) A única expressão honrosa que Judas pôde consentir-se foi a de chamar-se a si mesmo servo de Jesus Cristo. O termo grego é doulos, e significa mais que servo; significa escravo. Jesus era o Amo e Judas o escravo. Quer dizer, Judas vê um único propósito em sua vida: estar sempre à disposição de Jesus, no serviço de sua causa. A glória maior que um cristão pode conceber é a de ser útil a Jesus Cristo. 

Nesta introdução, Judas emprega três palavras para descrever o cristão. 

(1) Cristãos são aqueles chamados por Deus. O grego para chamar é kalein e se emprega em três contextos diferentes. 

(a) É a palavra para convocar ao trabalho, ao dever e à responsabilidade. É a palavra que se usa para convocar um homem a participar do serviço a sua cidade, a sua comunidade, a seu país. O cristão é chamado a trabalhar, a cumprir, a ser responsável no serviço a Cristo. 

(b) É a palavra usada para convidar a alguém a uma festa ou um festival. Emprega-se para convidar alguém a celebrar e festejar uma ocasião feliz. O cristão é chamado a desfrutar da alegria de ser convidado de Deus. 

(c) É a palavra com que se chama um homem a juízo. É citado perante o tribunal para que responda por si mesmo. O cristão será chamado a comparecer perante o trono de Cristo. O cristão é o homem chamado a responsabilizar-se por Cristo, a desfrutar em Cristo e a comparecer no juízo de Cristo. (2) Os cristãos são os amados em Deus. Este grande acontecimento determina a natureza do chamado, chamar um homem implica chamá-lo para amá-lo e para ser amado por Ele. Deus chama os homens ao dever e ao trabalho, mas nem esse dever nem esse trabalho são um fardo, mas sim um privilégio. Deus chama os homens ao serviço, mas não é o serviço de uma tirania, mas da comunidade. Finalmente, Deus chama os Judas homens a juízo, mas não se trata somente de um juízo de justiça, mas também de um juízo de amor. 

(3) Os cristãos são aqueles guardados em Jesus Cristo. O cristão jamais fica só; Jesus Cristo é sempre sentinela de sua vida e companheiro de seu caminho. O cristão não apenas é chamado, mas também guardado. O cristão é o homem chamado por Deus, amado em Deus, e guardado em Cristo. 

O CHAMADO DE DEUS Judas 1-2 (continuação) 

Antes de passar a outra passagem, pensemos um pouco mais a respeito do chamado de Deus, e procuremos ver o que significa tal chamado. 

(1) Paulo fala de ser chamado a ser apóstolo (Romanos 1:1; 1 Coríntios 1:1). Em grego, a palavra apóstolo é apostolos, e provém do verbo apostellein, que significa enviar; um apóstolo é uma pessoa enviada. O apóstolo é a pessoa enviada ao mundo por Cristo e para Cristo. Quer dizer, o cristão é embaixador de Cristo. É enviado ao mundo para falar de Cristo, para agir por Cristo, para viver por Cristo. Em suas mãos reside a dignidade de Cristo. Segundo viva sua vida, conseguirá interessar a outros em Cristo. O cristão está no mundo, entre os homens, como representante e enviado de Jesus Cristo. 

(2) Paulo fala de ser chamados a ser santos (Romanos 1:7; 1 Coríntios 1:2). A palavra para santo é hagios. A idéia pressuposta na raiz desta palavra é diferente. O sábado é santo porque é diferente dos outros dias; e Deus é soberanamente santo porque é diferente dos homens. Ser chamado a ser santo é ser chamado a ser diferente. Viver em santidade é viver uma vida em que toda palavra, pensamento e ação são conscientemente julgados e decididos pelo exemplo e a presença de Jesus Cristo. O mundo tem seus próprios critérios e sua própria escala  de valores. A diferença na vida cristã é que para o cristão Cristo é o único exemplo, e a lealdade a Cristo o único valor no mundo. 

(3) O cristão é chamado segundo o propósito de Deus (Rom. 8:28). O chamado de Deus chega a todos os homens, ainda que nem todos o aceitem. Isto significa que Deus tem um propósito para cada homem. Alguém disse que o azar é o que estamos obrigados a fazer, e o destino aquilo que nos propomos fazer. Cada homem é um homem do destino, porque cada homem tem um lugar nos propósitos de Deus. E o cristão é o homem que se submete aos propósitos de Deus para ele e sua vida. Paulo tem muito a dizer desta chamada de Deus, e só podemos expressá-lo sumariamente. O chamado de Deus põe os homens diante de uma formidável esperança (Efésios 1:18; 4:4). O chamado de Deus deveria ser uma experiência integradora, visto que todos os homens deveriam ficar unidos pela convicção de que todos eles têm parte no propósito e no chamado de Deus (Efés. 4:4). A chamada de Deus é uma chamada suprema (Filip. 3:14), uma chamada que põe os pés do homem no caminho às estrelas; trata-se de uma chamada celestial (Heb. 3:1), uma chamada que faz o homem pensar a respeito das coisas invisíveis e eternas, que chega a ele de um mais além e vai para além de seu penetrante olhar; é uma chamada santa, um chamado, como vimos, a ser diferente, um chamado à consagração a Deus. É um chamado que pode cobrir até as tarefas cotidianas de um homem comum. Seu trabalho de cada dia é parte disso para o qual é chamado (1 Cor. 7:20). É uma chamada que provém de Deus, e Deus não altera nem modifica seu propósito (Romanos 11:29). É uma chamada que não faz nenhuma classe de diferencia, que passa por em cima de todas as categorias e classificações do mundo (1 Coríntios 1:26). Ainda que seja um chamado para com Deus, não deixa o homem sem nada que fazer. O cristão deve ser merecedor de sua chamada (Efésios 4:1; 2 Tessalonicenses 1:11), e toda a vida deve converter-se num longo esforço para fazer seguro esta chamada (2 Pedro 1:10). A chamada de Deus é o privilégio, o desafio e a inspiração da vida cristã.
 

A DEFESA DA FÉ Judas 3 

Aqui temos a ocasião desta Carta. Judas se tinha comprometido a escrever um tratado sobre a fé cristã, a fé que todos os cristãos compartilham, mas lhe chegaram notícias de que uns homens maus e embusteiros tinham estado disseminando ensinos funestos por toda parte e então abandonou seu projeto original para escrever esta Carta. Judas compreendia cabalmente o dever de ser o guardião do rebanho de Deus. Estava ameaçada a pureza de sua fé, e ele foi em defesa deles e da fé. Isto significou deixar de lado seu tratado, mas há momentos em que é muito mais oportuno escrever brevemente para o presente que um longo tratado para o futuro. Pode ser que Judas jamais perdesse as esperanças de escrever o tratado que planejava, mas o fato é que fez muito mais pela Igreja ao escrever esta urgente pequena Carta que se tivesse preparado um longo e detalhado tratado sobre a fé. Nesta passagem se anotam certas afirmações sobre a fé, que nós compartilhamos. 

(1) A fé é algo que nos é dado. Os fatos da fé cristã não são algo que fabricamos ou descobrimos por nossa própria conta. No verdadeiro sentido da palavra, eles conformam uma tradição, quer dizer, algo que foi irradiado de geração em geração até chegar a nós. Remontam-se numa ininterrupta cadeia de tradição até Jesus Cristo mesmo. Podemos agregar algo mais. Os atos da fé cristã são coisas que não descobrimos por nossa própria conta. Portanto, é verdade que a tradição cristã não conforma algo irradiado simplesmente através de frios textos escritos; é uma realidade que se transmite de pessoa a pessoa através das gerações. A cadeia da tradição cristã é uma cadeia viva, cujos elos são homens e mulheres que experimentaram em suas próprias vidas a dinâmica e a maravilha dos fatos. 

(2) A fé cristã é uma realidade que nos é dá de uma vez e para sempre. Quer dizer, há na fé cristã uma qualidade invariável. Isso não significa que cada época não deva ser redescoberta, repensada e experimentada novamente; mas quer dizer que há uma substância inalterável nela, e o centro permanente e inalterável da fé é que Jesus Cristo veio ao mundo, viveu e morreu para trazer salvação aos homens. 

(3) A fé cristã é algo que é confiado aos que vivem consagrados a Deus. Quer dizer, a fé cristã não é possessão de ninguém em particular: é propriedade da comunidade da Igreja. Não é questão de interpretações pessoais. A fé cristã se manifesta dentro da Igreja, é preservada pela Igreja e compreendida dentro da Igreja. 

(4) A fé cristã deve ser defendida. Cada cristão deve ser um defensor da fé. Se a tradição cristã nos chega de geração em geração, quer dizer que cada uma dessas gerações deve preservá-la incorruptível, pura, como em suas origens. Mas há tempos quando fica difícil. A palavra que Judas emprega para defender é epagonizesthai, que contém a raiz do termo agonia. A defesa da fé pode resultar uma empresa muito custosa; mas a defesa e a preservação da fé é um dever que recai sobre cada uma das gerações de cristãos. E nosso dever consiste em defender aquilo que recebemos.

                          PERIGOS INTERNOS

Judas 4


 


 

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